22 de novembro de 2024

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Home office e teletrabalho: a importância da adequação terminológica

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A professora Fabiana Del Padre Tomé, esclarece que existem fatores comuns que retardam a comunicação: a ambiguidade e a vaguidade.

CONJUR – Paulo Sergio João e Natália Biondi Gaggini – 10/07/2020

A primeira, o próprio nome indica, é da incerteza designativa porque existem mais significados para a mesma palavra (homonímia), como é o caso de “manga”, por ela referido, e que pode identificar fruta ou parte do vestuário ou, quando, utilizado de forma metafórica, o termo pode ter vários significados (polissemia) ou ainda, como diz a professora, ser do tipo processo-produto e, nesse caso, refere-se à atividade como resultado e aí exemplifica com o termo “contrato”.

De outro lado, a vaguidade diz respeito à ausência de “regra definida acerca da aplicabilidade e extensão de um termo, em virtude da inexistência de limites precisos para sua denotação” e, nesse caso, há imprecisão no significado de uma palavra.

Segundo a professora, “os dois problemas semânticos acima referidos, embora não obstem a comunicação realizada no cotidiano, dificultam o desenvolvimento de discurso rigorosamente científico. Nessa hipótese, onde a ambiguidade e a vaguidade representarem empecilhos à precisão terminológica que o conhecimento científico requer, imprescindível um processo de elucidação, esclarecendo o sentido e a extensão atribuídos à palavra”.

Nas relações trabalhistas e no Direito é de extrema relevância que o termo utilizado não seja ambíguo nem vago, sob pena de dar significado diverso à figura jurídica a que se refere e, consequentemente, produzir efeitos jurídicos não pretendidos ou, pelo menos, informar o interlocutor de forma equivocada.

É o caso das expressões home office e teletrabalho, frequentemente utilizadas como sinônimas, mas que identificam conteúdos fático e jurídico diversos.

Antecipando o futuro, devido ao isolamento social trazido pela pandemia da Covid-19, o trabalho remoto, tabu para muitas empresas e rotina de outras, foi impulsionado e se tornou extremamente popular e necessário em questão de semanas. Afinal, trata-se de teletrabalho ou de home office e qual o sentido jurídico das expressões?

O caminho para a continuidade de empregos e de empresas teve que ser tomado às pressas como se o mundo passasse por um terremoto. A prática, chamada de novo normal do Direito do Trabalho, foi adotada por empresas que ainda tinham resistência de aceitar que a prestação de serviços pudesse ser efetiva mesmo que o empregado não estivesse presente fisicamente. A necessidade de se reinventar e vencer os preconceitos tecnológicos demonstrou a maleabilidade e a forte acomodação de sobrevivência das relações de trabalho.

Mas em meio à adaptação tecnológica, às reuniões pelas plataformas digitais usando camisa e calça de moletom com pantufas, ao som de latidos, desenhos animados e liquidificador, também houve e ainda há muita confusão na identificação jurídica dos institutos do teletrabalho e do home office, expressões que se revezam inadequadamente como se representassem juridicamente o mesmo conteúdo.

Contrato de emprego por meio de teletrabalho não é sinônimo de prática de home office, e vice-versa. Isso pode parecer preciosismo, mas em Direito é importante que a situação jurídica a que se faz referência seja exatamente a que se enquadra ao fenômeno tratado, conforme observado nas primeiras linhas. No caso, apesar de ambos identificarem a prestação de serviços remota, o teletrabalho é modalidade de contrato, enquanto o home office é a forma de cumprimento de jornada de trabalho.

home office foi adotado por empresas, bem antes da pandemia, como forma de flexibilizar o cumprimento da jornada de trabalho, permitindo que o empregado satisfizesse suas obrigações de forma independente de marcação de ponto. O local de execução sempre foi de livre escolha do empregado: seu domicílio ou um café, um parque, qualquer local em que pudesse se instalar e entregar o serviço. O produto do trabalho deixou de ser decorrente de presença física, mas de entrega de resultado. Enquadra-se nesta situação o empregado, regido pelas regras da CLT, bem como o autônomo, o profissional liberal e até mesmo o empresário.

No cumprimento de jornada por home office, o empregado se ajusta em horários em que permanece parte no estabelecimento do empregador e parte, de forma não obrigatória, em lugar de sua escolha.

De outro lado, o contrato de teletrabalho é aquele que preenche os requisitos trazidos pelo artigo 75-A da CLT, com desenvolvimento das atividades predominantemente fora das dependências da empresa e utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo.

No contrato de teletrabalho, a realização do trabalho fora das dependências da empresa é a regra preponderante.

A referência correta ao fato jurídico que se pretende qualificar é extremamente relevante em razão das consequências decorrentes de forma e de direitos e até mesmo para aspectos relacionados à saúde e segurança no trabalho.

O empregado sujeito ao contrato de teletrabalho não está sob controle de jornada. O motivo não é a impossibilidade de controle, mas, sim, a presunção legal do afastamento do controle por opção do legislador, conforme artigo 62, inciso III, da CLT e, por consequência, não há o pagamento de horas extras e adicional noturno. Nesse caso, o contrato é celebrado com esta finalidade ou se altera para trabalho presencial no prazo legal de 15 dias, mediante aditivo, com precípua finalidade. Quando se trata de contrato de teletrabalho, este deve ser firmado por acordo individual escrito, bem como é necessário o prévio ajuste sobre a responsabilidade pela infraestrutura necessária para tanto.

Ao empregado que tem parte da jornada de trabalho flexibilizada em home office, por sua vez, não se aplicam as mesmas regras, devendo ser observadas as normas de controle de jornada aplicáveis ao trabalho presencial. Nesse caso, por extensão do artigo 6º da CLT, cuja redação alterada pela Lei nº 12.551 de 2011, incluiu o trabalho realizado à distância (home office ou anywhere office) entre as situações de presunção de controle pelo poder diretivo do empregador, equiparáveis ao do tradicional trabalho direto, não se tratando de trabalho externo, sem controle de jornada, previsto no artigo 62, I da CLT.

Assim, se o empregado que labora em jornada de trabalho home office não se encontra em uma das excludentes de jornada previstas no artigo 62 da CLT, há uma presunção de que deve ser mantido o controle de jornada mesmo quando a prestação de serviços se dá de forma remota.

Mais importante ainda que se defina a qual modalidade se refere o intérprete porque para o contrato de teletrabalho há expressa previsão legal no sentido de o empregador ter o dever de instruir os empregados quanto às precauções a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho. O empregado também se compromete mediante termo de responsabilidade a seguir as instruções do empregador.

Sempre existiu na doutrina e jurisprudência o uso indiscriminado das expressões, mas a partir da Medida Provisória nº 927/2020, que trata da proteção do emprego e da renda, o uso foi frequente porque, no artigo 4º, caput e parágrafo primeiro, teriam colocado na mesma bacia o teletrabalho, o trabalho remoto e o trabalho à distância (para fins do disposto nesta medida provisória, considera-se teletrabalho, trabalho remoto ou trabalho a distância a prestação de serviços preponderante ou totalmente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias da informação e comunicação que, por sua natureza, não configurem trabalho externo, aplicável o disposto no inciso III do caput do artigo 62 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1943). Todavia, cabe ao intérprete saber se referir à situação fática e jurídica própria porque o caput é expresso a estabelecer a distinção afirmando que cabe ao empregador “…alterar o regime de trabalho presencial para o teletrabalho, o trabalho remoto ou outro tipo de trabalho a distância e determinar o retorno ao regime de trabalho presencial, independentemente da existência de acordos individuais ou coletivos, dispensado o registro prévio da alteração no contrato individual de trabalho”.

A consequência prática devido à confusão de utilização das expressões entre os institutos parece saltar aos olhos porque, de um lado, há a flexibilização do cumprimento da jornada de trabalho (home office) em que se aplica o controle de jornada e eventual direito a horas extraordinárias. De outro lado, o contrato de teletrabalho, que não se altera na natureza jurídica em nenhum momento, em que há obrigatoriedade de formalização contratual para o teletrabalho e é excludente do direito a horas extraordinárias.

É muito importante qualificar e dar significado às expressões no limite dos direitos que se pretende sejam reconhecidos, sob pena de serem colhidos resultados diversos ao esperado.

Paulo Sergio João é advogado e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e da Fundação Getulio Vargas.
Natália Biondi Gaggini é advogada, professora de Direito do Trabalho e pós-graduanda no Núcleo de Pesquisa em Direito do Trabalho na PUC-SP.

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