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Procurador vê exageros no projeto de reforma administrativa discutido pelo governo Bolsonaro

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Para José Robalinho Cavalcanti, ex-presidente da ANPR,Paulo Guedes não vê a qualidade do trabalho dos servidores.

G1
Matheus Leitão
19/11/2019
Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

O procurador da República José Robalinho Cavalcanti, do Ministério Público Federal (MPF), avaliou, em entrevista ao blog, que a reforma administrativa em discussão no governo Jair Bolsonaro “é necessária, mas contém exageros”.

“Acho que algumas propostas parecem precisar ser melhor discutidas do ponto de vista jurídico e sob o ponto de vista prático. Às vezes são radicais demais. É o caso típico da redução de salário”, afirma.

A reforma causa divisões até mesmo na alta cúpula do governo, tanto que pela equipe econômica seria apresentada nesta semana, mas o presidente Jair Bolsonaro avisou que “vai demorar um pouquinho mais”.

O procurador chefiou por quatro anos a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), principal entidade representativa da categoria. Além do Ministério Público Federal, Robalinho integrou o corpo técnico de outros órgãos públicos, como o Tribunal de Contas da União (TCU).

Na avaliação do investigador do MPF, há assuntos relacionados ao serviço público brasileiro que não são discutidos desde os anos 1990, mas que “precisam ser retomados”, como é o caso da estabilidade dos servidores.

Robalinho entende que a estabilidade “tem que existir” em sua plenitude para algumas funções, como os cargos da magistratura, das polícias, dos fiscais de tribunal de contas, entre outros. O procurador, contudo, avalia que a estabilidade não precisa ser tão rígida.

“A administração pública não tem necessidade de contratar com estabilidade todos os cargos como faz hoje. Isso é um erro”, afirma o procurador da República.

Robalinho também critica a forma com a qual o ministro da Economia, Paulo Guedes, se refere ao servidor público. Na avaliação do procurador, o conceito do estado mínimo, defendido pelo ministro, impede o economista de ver a qualidade do trabalho realizado pelos servidores.

“O Paulo Guedes tem uma linha de estado mínimo tão arraigado que, até na hora que ele fala coisas certas, ele tem que atacar os servidores, atacar o funcionalismo público, a ‘máquina’. A ‘máquina’ são os funcionários públicos. Se você quer fazer uma política correta de valorização, você não pode partir para o ataque. Você tem que começar e mostrar o contrário”, diz o procurador.

Robalinho Cavalcanti explica, ainda, que os chamados agentes do Estado, como os ministros, parlamentares e magistrados, não podem estar incluídos na reforma no ponto de vista formal, pelo fato de a Constituição Federal ter dado uma estruturação diferente para as carreiras.

Leia os principais trechos da entrevista de Robalinho Cavalcanti ao blog

Blog – Qual a avaliação da reforma administrativa em discussão pelo governo Jair Bolsonaro?

Robalinho Cavalcanti – A reforma administrativa é importante, é essencial. Ela está atrasada há décadas. Tem situações que nos anos 1990, portanto 25, 30 anos atrás, foram discutidas com alguma profundidade, e depois abandonadas. E hoje precisam ser retomadas. Entre elas a questão da estabilidade.

A estabilidade do serviço público tem que existir, em razão, da função. Em algumas funções ela é lógica, ela é imprescindível. Em outras, ela precisa existir, porém de uma forma mais branda, não precisando ser tão rígida. E em outras ela não precisa existir de forma alguma. A administração pública não tem necessidade de contratar com estabilidade todos os cargos como faz hoje. Isso é um erro.

Como o senhor vê a questão do número de carreiras?

Uma outra linha geral que eles estão anunciando, que está correta, é a diminuição do número de carreiras. A administração é responsável por mais de 200 carreiras no serviço público federal. Isso realmente não faz sentido. Você tem que ter uma transversalidade maior. Duzentas carreiras é um erro.

Você tem que diminuir porque ha alguns lugares onde você tem excesso, não porque contratou demais, às vezes porque mudou, porque o trabalho é desnecessário. Isso existe em todos os níveis. Vou fazer uma comparação que não é bem da União, mas que serve para o caso.

O perfil demográfico do país mudou. Então, muitos lugares onde tinha um nível educacional de escolas públicas, estão tendo que reciclá-las. Está sobrando escola de nível básico, porque não tem mais tanta criança como tinha antes, e faltando escola de nível médio porque agora você tem uma possibilidade maior de levar as pessoas até a universidade.

Isso é só um exemplo para dizer o seguinte: as realidades mudam e as necessidades da administração pública mudam. Você tem que ter essa flexibilidade de jogar de um lado para o outro e de forma alguma isso é um demérito ao servidor. É sim uma vantagem para a administração pública.

Como o senhor vê a questão da ascensão pelo mérito?

A terceira linha geral que eles estão desenvolvendo, e que está correto, é você apostar no mérito. O medo que todo mundo sempre teve, e que eu tenho, é que esse mérito se transforme em mérito político… vire uma politização da administração pública. Isso não pode ser admitido.

Então, tem que ser tomado um cuidado para que as avaliações sejam, por lei, necessariamente objetivas, transparentes, com participação dos servidores inclusive nas comissões de avaliação para garantir que não haja influência política. Mas, dito isso, você tem que estimular os servidores que estão permanentemente se qualificado, fazendo cursos, dando ideias, que veste a camisa.

Estou falando do mesmo cara que o que manda ele fazer, ele faz, não é um cara acomodado que não se reciclou, tem a formação técnica dele de 30 anos atrás. Todos nós conhecemos isso aos quilos em nos órgãos. Não é possível que essas duas pessoas recebam a mesma coisa. Não é bom para a organização pública. Não é justo.

Mas então quais são os problemas da reforma administrativa?

Então essas linhas gerais que estão sendo anunciadas pelo governo estão corretas. Agora, vou fazer as críticas: critérios objetivos, participação, valorização do servidor. O Paulo Guedes tem uma linha de estado mínimo tão arraigado que, até na hora que ele fala coisas certas, ele tem que atacar os servidores. Então, no dia da apresentação ele soltou a seguinte: ‘a população tem que cobrar que a máquina não alimente a própria máquina’.

Se você quer saúde, se quer educação, segurança pública, a gente tem que diminuir a máquina. Onde está a contradição disso? É que segurança, educação, saúde pública são feitas por funcionários públicos. A não ser que ele esteja imaginando, academicamente, aquelas coisas radicais de alguns colegas dele de Chicago.

‘Vou acabar com a educação pública e vou dar um voucher para cada um pagar uma educação privada’. Como isso não está em questão no Brasil, graças a Deus porque nem nos EUA isso se emplacou, todas essas prestações de serviços que ele está falando são feitas por servidores públicos.

Então, em vez dele atacar a máquina, tem que ter uma política que diga o seguinte: essa reforma é para valorizar quem quer fazer carreira, quem quer ser um bom servidor. Esse servidor tem que ser mantido e valorizado, porque da valorização dele vem o serviço bem prestado. Esse ataque permanente ao serviço público, essa demonização do serviço público, que já aconteceu na previdência social, é um erro grave de composição.

O que mais te incomodou?

Essa proposta que não está na reforma administrativa, mas está na outra – a emergencial. Quando os entes federativos atingem determinados parâmetros negativos da administração pública, gastam 95% de suas receitas com pessoal e obrigatórias, dispara um gatilho e a administração pode cortar salários dos servidores proporcionalmente às horas de pagamento.

Isso é uma matéria que precisa ser melhor estudada. Não apenas da questão de mérito, que eu não sei se é necessária, mas pela questão jurídica. Isso é conversa de economista que não conversou com a área jurídica. Por que eu digo isso? Porque isso já foi tentado na lei de responsabilidade fiscal. Tem um dispositivo praticamente igual a esse que eles estão tentando fazer.

Como deve ser aplicada a questão da estabilidade, na sua opinião?

A estabilidade não tem que ser a mesma para todas as carreiras. E aí a gente vai ter que discutir. Tem umas que são muito claras, tem outras que não são, que entram numa zona cinzenta. São elas as chamadas carreiras de estado.

Tipicamente os cargos de magistratura, os policiais, os fiscais (auditor da Receita Federal, mas pode se falar também em auditor do trabalho), fiscal de tribunal de contas, fiscal de controle interno, diplomatas. Esses precisam ter independência. Alguns cargos do Banco Central precisam ter autonomia desde o momento zero. Então eu não alteraria a estabilidade em relação a essas carreiras.

Tem outras carreiras que são muito importantes para o Estado e fundamentais para a população que precisa de algum grau de proteção ou não podem ter ingerência política, mas que não necessitam do mesmo grau de independência. Em nenhum lugar do mundo essas carreiras que eu vou citar têm o mesmo nível de estabilidade de um juiz ou um policial.

São carreiras que você pode ter a possibilidade de ser demitido e reintegrado desde que não seja por razões políticas. Que carreiras são essas? Professor, médico, profissionais de saúde de forma geral, enfermeiros. São, muitas vezes, cargos de nível superior essenciais, mas que não exercem funções típicas de Estado, funções de poder de polícia, funções que precisam de ter uma autonomia do poder político.

Por que a reforma não pode incluir os agentes de estado?

Não pode no ponto de vista formal, no ponto de vista constitucional. Nós que somos os agentes do Estado, ou seja, os agentes políticos, ministros de estado, deputados, mas principalmente, no caso de carreiras, Ministério Público e magistratura, a Constituição Federal deu outra estruturação para a gente.

Essas estruturas de carreiras são postas em leis que têm iniciativa exclusiva do chefe de cada poder para garantir independência e autonomia. Então, eu sou plenamente a favor de que boa parte das mudanças seja também para a gente, como a valorização do mérito, subir maior número de degraus na carreira para que você se sinta estimulado a crescer.

Tudo isso deveria ser passado para o MPF também, mas tem que partir dos chefes de poder da magistratura do MP. Não é constitucional. O nosso regime jurídico é definido pelos chefes dos nossos poderes respectivamente, e não pelo Executivo.

Para resumir, o senhor acha que a reforma administrativa é necessária, mas a que foi proposta pelo governo contém alguns exageros?

Isso. É necessária, mas contém sim exageros. As linhas gerais que estão sendo faladas pelo governo, a revisão da estabilidade e do servidor que não seja a mesma estabilidade para todos os servidores, a valorização do mérito, de que as pessoas subam na carreira de acordo com o mérito de fato, com diminuição no número de carreiras para fazer uma diminuição transversal dos servidores, para que possa ter uma carreira de um servidor que segue para um ministério em um dia e em outro no outro dia, de acordo com as necessidades.

É bom para você, é bom para a administração. Acho, também, que algumas propostas parecem precisar ser melhor discutidas do ponto de vista jurídico e sob o ponto de vista prático. Às vezes são radicais demais.

É o caso típico da redução de salário. Embora as propostas tenham sido boas, ainda assim vem do ministro Paulo Guedes – eu boto ele como símbolo, mas é um pouco da sua equipe também, a linha do estado mínimo, de atacar o funcionalismo público, a ‘máquina’.

A ‘máquina’ são os funcionários públicos. Eles são culpados de tudo. Se você quer fazer uma política correta de valorização, você não pode partir para o ataque. Você tem que começar e mostrar o contrário.

Eu quero valorizar o bom servidor, eu quero valorizar o serviço, eu vou criar uma carreira que seja valorizada e seja estável. Essa é a conversa correta porque não existe saúde, educação, segurança pública, plano econômico, controle da moeda, nada disso existe sem um funcionalismo público bem competente, ou seja, selecionado de maneira correta, selecionado por concurso que sejam atrativos, e que continuem estimulados a crescer durante toda a carreira. O linguajar do ‘estado mínimo’ não ajuda a reforma administrativa.

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